quinta-feira, 19 de junho de 2008

A BOLA

A BOLA foi o meu primeiro jornal. A BOLA grande, como o "Norte Desportivo" ou o "Mundo Desportivo", imensa de vermelho. Criança ainda, parava nas bancas para ler-lhe os títulos, olhar-lhe as formas, imaginar o interior. Esperava que algum comprador, impaciente, folheasse.
Mais tarde, rapazinho ainda sem os tostões para comprá-la, lia-a à noite, emprestada pelo sr. Jorge, que a tratava com cuidado, sabendo do meu desejo. Lia tudo, até os anúncios. E conheci grandes jornalistas, grandes escritores mesmo como Vítor Santos, Homero Serpa, Carlos Pinhão, Carlos Miranda e Alfredo Farinha.
Aprendi muito sobre o Mundo (Geografia e Sociedade) em muitos textos desses e doutros jornalistas. Quando acompanhavam clubes e selecções pelo Mundo falavam do que viam e do que conheciam, fazendo, tantas vezes, o contraponto com a vivência portuguesa.
A qualidade dos textos era notável e, porque lia com paixão, aproveitava tudo. Não esqueço como conseguia orgulhosamente mostrar aos meus professores de Português o conhecimento de alguns vocábulos aprendidos na designada Bíblia do jornalismo desportivo português.
As antevisões às jornadas fascinavam-me, principalmente as de Alfredo Farinha. Aí aprendi e decorei a minha primeira expressão latina, que o autor traduziu logo: Et quoque aliquando dormitat bonus Homerus, de vez em quando o bom Homero também adormece, ou como vou traduzindo às vezes, de vez em quando o bom Homero também bate a sua soneca.
Depois A BOLA foi-se "modernizando", cedendo à pressão dos tempos, reduzida a metade, sem sujar os dedos, com grandes parangonas, frases feitas e muita, muita fotografia. A última transformação tornou-a mais branca, envergonhada do seu sangue original.
Compro-a agora algumas vezes, principalmente às terças-feiras, para ler Miguel Sousa Tavares, sempre polémico e contundente, e também Jorge Olímpio Bento ou Luís Freitas Lobo, que sabe muito de futebol e suas tácticas. Hoje tive uma agradável surpresa: uma crónica de um autor que desconhecia, Miguel Cardoso Pereira, intitulada "A inexistência suíça". Voltarei a ela.

Sem comentários: