sábado, 11 de agosto de 2007

Miguel Torga

Leiria, 10 de Novembro de 1939:

Mais duas horas de prosa.
Uma coisa seca, retalhada, sem nenhuma grandeza. Apesar de ter a consciência disso, suei honradamente aquelas quatro páginas. E, afinal, é o que é preciso. Puxar, puxar, até o corpo não poder mais e cair de vez. Dar à vida, numa palavra, o que a vida pede: cada momento cheio de qualquer esforço.
Quando eu era pequeno, havia lá em casa, no cimo de um lameiro, uma costeira que era só fraga; e meu Pai, na vessada granjeava também aquele bocado, que nunca deu sequer feijão-chícharo. Só com dez anos, sem conhecer ainda o pavor dos retalhos de tempo, perguntava-lhe eu, já cansado:
-Mas porque é que se cava também isto?
E ele, como quem sabia uma verdade eterna:
- Para se acabar o dia.
Miguel Torga, Diário

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