segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Ficha 2

2

O Gerardo viera do Continente, directamente da grande empresa. Era um bom técnico de máquinas e tornou-se absolutamente necessário, porque o senhor Silvestre se dedicara quase em absoluto às vendas e aos negócios, sem mãos a medir já para as máquinas que ia vendendo em tudo o que era instalação do novo governo.
A autonomia implantara-se, com assembleia parlamentar e tudo, coisa fina, de política séria, e uma colecção de deputados a viverem a experiência de se sentarem à esquerda ou à direita como viam nos filmes ou leram em cursos acelerados de política.
- Gerardo, o duplicador do Partido está a jogar tinta por quanto é lado. O presidente está furioso. Deixe tudo o que está a fazer e corra lá.
- Mas qual é o modelo? Tenho de preparar as peças.
- Vamos, rápido, pergunta aí ao Rui.
O Rui pegou no ficheiro. N, O, P… procurou Partido e nada, mexeu com os dedos na parte superior das fichas de cartão, antes e depois do P… e nada.
- Então, Rui, olha que o Silvestre se chateia se não arranco já.
- Espera mais um pouco, que não encontro a ficha desse cliente. No P, não há nada.
- Isso, procura melhor, eu entretanto vou à rua fumar e já volto.
Rui procurou sobre a secretária, vasculhando os papéis à direita e à esquerda, documentos que ficavam à espera de serem tratados ou do arquivamento. Estava quase a entrar em desespero e decidiu procurar letra a letra, ficha a ficha, aquela poderia estar fora da mãe. Nova desilusão. Aborrecia-o ter que perguntar ao senhor Silvestre se ainda se recordava do modelo que tinha vendido para o Partido, até porque ele haveria de perguntar pela ficha que tinha voado dali para fora. Que chatice…
O senhor Sousa, o chefe de escritório, deu-se conta de desespero:
- Que se passa, Rui? Parece uma mosca aí à volta do prato, que procura?
- A ficha do Partido. Vendemos um duplicador para lá e não aparece a ficha.
- Vai aparecer, o Gerardo que vá lá, tenha paciência e leve as peças de três ou quatro modelos. Se for necessário voltar lá, que volte.
Palavra de chefe era descanso. Com ele, nunca o patrão levantava a voz; tinham os seus segredos.
Quando o Gerardo regressou, dirigiu-se de imediato ao colega:
- Não procures mais, Rui, vai à ficha da Assembleia.
- Explica-me.
- É esse o duplicador.
Rui continuava a não perceber:
- Mas foste à Assembleia?
- Não; ao Partido.

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