quinta-feira, 19 de julho de 2007

O POETA

Comprei o último livro do Poeta, saído há quase um ano. Nas livrarias olhava-o, procurando coragem, sempre adiada, até ontem. O Poeta canta a ilha como ninguém, de longe canta uma ilha de infância, olhando-a como à mãe que, encostada aos muros do quintal, erguesse a mão para o húmido adeus. Aprendi a gostar do Poeta desde sempre e aos seus lugares, que vi com os seus e os meus olhos. Cultivei-o em todos os lados aonde os meus passos me levaram, até que o conheci em pessoa, ali de carne e osso, como um homem que conversa por entre os dedos. Regressava à ilha por esse último livro que criara. Falámos pela noite da poesia, da sua que partiu dos lugares do norte, onde morriam as crianças arrastadas pelas ribeiras. O Poeta entusiasmou-se e pediu-me que falasse da sua obra dias depois, no lançamento do seu novo livro, porque ele andava um pouco como o vento, arrastado por quem desses lugares do seu verbo pouco sabia. Alertei-o para a realidade das mãos que o abraçavam na sua visita, para as mãos que o seguravam como a um troféu curricular. O Poeta invocou a sua liberdade. Mas o Poeta esquecera-se que é homem, que envelhecera, que também ele procurava as honrarias que, ignorante, julgava que os seus não lhe dedicavam, como se a um poeta se devesse mais do que a leitura. E o Poeta esqueceu o que pedira, vencido pelas mãos que o abraçavam curricularmente.
Comprei o último livro do Poeta, porque os seus poemas também são meus em absoluto e, se ele me ouvisse agora, dir-lhe-ia:
- Calma, Poeta, ainda um dia terás o nome na porta da casa onde viveste.

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