quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Ficha 4

4

Ricardo Mendes, chefe de secretaria da Assembleia, tinha vindo de África, na leva dos retornados. Sabia-a toda, naturalmente. Inscreveu-se no Partido, como é óbvio e não tardou em ser o presidente de uma junta de freguesia do Funchal.
Ia à empresa de vez em quando, para receber um envelope, e aproveitava para conviver com o senhor Silvestre, farinha do mesmo saco.
Nessa final de tarde, o chefe de escritório, o senhor Castro, também teve direito ao convívio: charutos cubanos, whisky de doze anos, anedotas, e o elogio do triunfo dos chicos espertos.
Rui ficara do outro lado da festa. Casualmente deixara-se ficar no escritório, a colocar em ordem algumas facturas. Mesmo que o tivessem convidado, nunca estaria do outro lado, não tinha pachorra para aturar gente daquela, metia-lhe asco. Já tinha ouvido todas as anedotas sem graça do Silvestre, armado em novo-rico, sem jeito nenhum para isso, com o desplante de ironizar com o aumento do desemprego feminino, a dizer que o grande negócio do futuro seriam os bordéis. Vómitos para indivíduos destes…
O senhor Castro saiu da reunião de olhinhos vermelhos, trocando o passo e bem aquecido. O patrão despediu-se com o Ricardo Mendes pelo braço, que dupla…
- Rui, Rui, esta gente ainda goza com desfaçatez. A ideia deles é que vivem em terra de cegos, e em terra de cegos quem tem um olho é rei.
- Falaram à-vontade à sua frente, senhor Castro?
- Pois claro. O Ricardo Mendes imagina que todos os que possuem um cargo de chefia hão-de ser do Partido ou da conveniência. E posso contar-te mais: chegou ao desplante de afirmar:
- Só os tontos não aproveitam o poder que possuem. Na minha freguesia, hei-de ganhar as eleições sempre que quiser. Se o povo quer uma escola, constrói-se a escola; se quiser uma estrada, porque não fazer a estrada? Tonto seria eu se não a fizesse. Se a estrada custar cinquenta mil, cinco mil são para mim, o povo fica contente e ganho as eleições!

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